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Qual o valor de um aperto de mão?

Para entender se um aperto de mãos é ou não um contrato, primeiramente vamos voltar um pouco no tempo. No passado, a reputação do cidadão era uma das qualidades mais caras, traduzida em caráter rígido e sólido, o homem zelava pelo seu nome, sendo este o poder mais importante de uma pessoa, especialmente em acordos ligados ao comércio em geral.

Época em que um simples aperto de mãos selava de pequenos acordos a grandes negócios, sem a necessidade, em muitos casos, de documentos ou contratos formalizando os atos comerciais, pois a palavra dada era palavra cumprida, todavia, essa não é a regra geral dos acordos atuais no Brasil, e, portanto, há alguns cuidados que as partes devem observar para preservar seus interesses em um acordo.

O aperto de mão como simbologia de firmar um contrato ficou no passado?

Na realidade, não. Com nova roupagem, o compromisso de zelar pelas leis, ter boa conduta e cumprir o que foi acordado, hoje é tratado como “compliance” e está presente em todos os contratos.

O termo compliance origina-se do verbo inglês “to comply”, que tem como significados cumprir, executar, observar o que lhe foi imposto. Em outras palavras, é o dever de desempenhar, de estar em conformidade com as leis, diretrizes, regras e regulamentos firmados entre as partes.

No conceito moderno, engloba ainda todas as práticas necessárias para evitar a quebra de um contrato, no compromisso de “fazer dar certo”, e inclusive é a base do que se entende por boa-fé objetiva.

Nesse sentido, a boa-fé transcendeu as relações comerciais e pessoais e se tornou um princípio base do Direito, presente em todos os contratos verbais e formais.

Referido princípio tem como fundamento a ideia da existência de deveres anexos a todos os contratos, podendo ser exemplificado como o dever de cooperação, ética e confiança que devem orbitar durante todas as fases contratuais.

Quais são as fases de um contrato?

Contrato é basicamente um acordo de vontade entre as partes, que tem por objetivo determinar, modificar ou extinguir direitos. Se traduz como rol de obrigações, regido especialmente pelo princípio da boa-fé, probidade e função social do contrato conforme previsão legal nos artigos 422 e 421 do Código Civil, respectivamente.

Neste sentido, um processo contratual ocorre observando, em regra, três fases, quais sejam: fase pré-contratual, fase contratual e pós contratual.

De maneira geral, a fase pré-contratual engloba desde os contatos iniciais entre as partes, a definição das obrigações e direitos indo até a conclusão da confecção do contrato.

Já a fase contratual tem por regra incluir desde a fase de negociações, a realização das ações previstas no contrato e também a sua extinção.

Por fim, a fase pós contratual ocorre quando uma das partes ou todas sentem-se impactadas quanto ao aproveitamento das ações ajustadas no contrato, dado que foram criadas expectativas que eventualmente podem ser questionadas, ainda que já tenha ocorrido a extinção do contrato.

Quando nascem as obrigações das partes?

De maneira geral com o contrato definitivo, dado que é a aceitação da promessa inicial. Nesse momento, os elementos essenciais de um contrato devem estar preenchidos como qualificação das partes, legitimidade perante a ação negociada, e principalmente, a expressão da vontade de realizar a contratação. Concluído o contrato, nascem todas as obrigações das partes, bem como, seus direitos. Nesse momento deverão os envolvidos atentar-se a execução das ações ajustadas, sob pena de inadimplemento e posterior questionamento contrário ou até mesmo penalidade, quando prevista, podendo ser retomado o contrato ou resolvido. Nesse ponto, importa registrar que uma parte somente será adimplente da outra quando realizar, integralmente as obrigações que lhe cabiam ao firmar o contrato, nos exatos termos ajustados.

Assim, a título de exemplo, uma lanchonete não poderá entregar lanches em data diversa da ajustada, somente da data prevista contratualmente para a realização de uma festa, nem um dia antes e nem um dia depois, dado que se não observado o prazo determinado no contrato perderá totalmente o objetivo.

Quando ocorre a extinção do contrato?

Em regra, ocorre com o cumprimento de todas as obrigações, liberando o contratante dado que satisfez a prestação ajustada, sendo este o modo normal previsto no artigo 320 do Código Civil.

Todavia, há situações em que ocorre a extinção do contrato por via anormal, traduzindo a vontade de uma das partes ou de todas em utilizar e fazer valer as cláusulas resolutivas do contrato, ainda que não cumprida a obrigação, sendo estas as resolutivas expressas (artigo 474 CC) ou tácitas derivadas de previsão legal (artigo 475 CC). No mais, ainda existem causas posteriores ao ajuste contratual feito entre as partes, podendo uma delas exercer seu direito potestativo e requerer o término antecipado (artigo 472 e/ou 473 CC).

O que configura o inadimplemento contratual?

Decorrente do avanço tecnológico ocorreu o fenômeno da globalização e consequentemente a massificação das relações, tornando-as cada vez mais impessoais.

Pagamentos com aproximação do cartão, agendar um serviço pelo “WhatsApp”, assistir a um filme, todas essas situações estão presentes no nosso cotidiano, e a princípio não parecem, mas representam relações comerciais.

Existindo de forma incontestável deveres de probidade e de boa-fé, antes, durante e depois da realização do contrato, podem as partes reconhecer a responsabilidade de um dos contratantes ou de todos por violação desses deveres, ainda que pós contrato.

Dois principais casos de quebra da confiança ocorrem quando há vícios redibitórios e evicção. O primeiro apresenta-se como defeitos ou inadequações posteriormente percebidos que tornam impossível o aproveitamento do bem adquirido ou do serviço prestado, devidamente regulamentado pelo artigo 444 do Código do Civil. Já a evicção, prevista no artigo 447 do Código Civil, pode ser traduzida como a perda de uma coisa em detrimento de uma decisão judicial, prejudicando assim o contratante de boa-fé que mesmo realizando as diligências necessárias não poderia prever tal situação.

Hoje, não só precisamos fazer um documento descrevendo os negócios e suas cláusulas em razão do eventual descumprimento por má-fé ou por má gestão, mas também por questões de memória e controle, pois as pessoas, físicas e jurídicas, fazem diversos negócios, acertos financeiros, parcelamentos, endividamentos, que optar por não formalizar o ajuste não é mais recomendado, ainda que exista valores éticos e morais.

O que o judiciário entende por “contrato via aperto de mão? ”

Considerando todas as possibilidades, o aperto de mão pode ser interpretado como “contrato verbal”, podemos observar seus reflexos em pequenas atividades, como a compra de um brigadeiro, cortar o cabelo em um salão, levar o cachorro ao veterinário, e em outros casos, até mesmo uma locação de um imóvel, em todos, é esperado das partes a boa-fé objetiva e a responsabilidade quanto ao que foi firmado, de uma parte o pagamento e da outra a entrega da coisa ou a realização do serviço, ainda que sem um documento formal.

Neste sentido, o judiciário tem, reiteradamente, reconhecido a possibilidade de ajuste via contrato verbal como meio de negócio e por consequência, a responsabilidade por seus reflexos diante das partes e de terceiros.

AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO VERBAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS VETERINÁRIOS. INADIMPLÊNCIA. SENTENÇA PROCEDENTE. PRESTAÇÃO VOLUNTÁRIA DE SERVIÇOS NÃO EVIDENCIADA EMBORA HAJA AUSÊNCIA DE CONTRATO. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA ATESTAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DAS ALEGAÇÕES DO RECORRENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP – RI: 10020850620148260016 SP 1002085-06.2014.8.26.0016, Relator: Claudio Antonio Marquesi, Data de Julgamento: 16/06/2015, Quarta Turma Cível, Data de Publicação: 17/06/2015)

E ainda:

RECURSO INOMINADO. ADMINISTRAÇÃO IMOBILIÁRIA. CONTRATO VERBAL. LOCAÇÃO. INADIMPLÊNCIA DO LOCATÁRIO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA IMOBILIÁRIA PELO PAGAMENTO. DANOS MORAL E MATERIAL NÃO CONFIGURADOS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJ-SP – RI: 10200928920208260451 SP 1020092-89.2020.8.26.0451, Relator: Wander Pereira Rossete Junior, Data de Julgamento: 09/09/2021, 1ª Turma Recursal Cível, Data de Publicação: 09/09/2021).

Quando devo judicializar a questão?

Em uma visão tradicional de obrigação, o inadimplemento contratual consiste a inexecução da prestação que devia o contratante, possuindo previsão nos artigos 389 e 420 do Código Civil. Constatado o não cumprimento da obrigação, surtirão alguns efeitos como perdas e danos, multa contratual, juros moratórios, correção monetária, honorários advocatícios e outras previsões contratuais, quando houver.

O ideal, em suma, é, com a ajuda de um profissional, estruturar um contrato formal que alcance todas as possibilidades e reflexos do instrumento ajustado, todavia, em situações em que não houve este esforço inicial, a parte que se sentir lesada, poderá consultar um advogado de confiança para verificar a possibilidade de utilizar outras provas que possam, eventualmente, garantir que o contrato foi firmado e por consequência o cumprimento da obrigação ou reparação equivalente.

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